A Sabedoria dos Poeta
Filosofia Esotérica em Forma de Versos
Carlos Cardoso Aveline
Desde a mais remota antiguidade, a literatura oral utilizou versos e lendas para transmitir de geração em geração a sabedoria espiritual acumulada.
Os versos ritmados facilitavam a memorização do ensinamento. Assim eram abordados a vida, a morte, o amor, a guerra, o absoluto - e o universo. Poetas de todos os povos e tempos mergulham na fonte de sabedoria que está acima da mente consciente. Dali eles trazem para o mundo visível ritmos, estruturas, mantras, imagens cósmicas e padrões vibratórios que elevam o foco da consciência humana.
Há poesias que são verdadeiros tratados sobre a caminhada espiritual. As escrituras das grandes religiões incluem poemas. Entre os sábios que usaram versos estão Jalaludin Rumi, Kabir, São João da Cruz, São Francisco de Assis, Lao-Tzu e inúmeros outros místicos budistas, cristãos, taoístas, islamistas, judeus ou hinduístas. Centenas de poetas têm expressado lições da sabedoria universal. Entre eles estão William Wordsworth, Alfred Tennyson, Christina Rossetti, Walt Whitman, Jorge Luis Borges, Rabindranath Tagore e a brasileira Cora Coralina.
Vejamos, como um exemplo entre muitos, o modo como o poeta Mário Quintana (1906-1994) aborda o tema da morte. Com imagens fortes em versos vigorosos, Quintana não só sugere a possibilidade da reencarnação, mas também faz com que aceitemos em paz a nossa fragilidade física, ao revelar de modo certeiro a nossa imortalidade essencial:
Da primeira vez em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha...
E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada...
Arde um toco de vela, amarelada ...
Como o único bem que me ficou!
Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Ah! Desta mão, avaramente adunca,
Ninguém há de arrancar a luz sagrada!
Aves da Noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A luz do morto não se apaga nunca! [1]
A consciência de que estamos de passagem no mundo ensina que a vida é curta e deve ser administrada corretamente. Este fato torna aconselhável vencer a preguiça. A lição é simples, quase óbvia, mas, ainda assim, aprendê-la de fato é difícil. Os sábios usam o seu tempo de vida para compreender a si mesmos e ao cosmo em níveis cada vez mais elevados. Para eles, morrer é um ato inseparável da vida.
Quem morre a cada instante para o passado é capaz de renascer a todo momento para a vida eterna. No seu livro Viagem a Ixtlán, Carlos Castaneda diz que a morte é conselheira do guerreiro espiritual. E há um poema em que Mário Quintana fala da morte, ou transcendência, como sua amiga pessoal:
Minha morte nasceu quando eu nasci.
Despertou, balbuciou, cresceu comigo...
E dançamos de roda ao lugar amigo
Na pequenina rua em que vivi.
Já não tem mais nada daquele jeito antigo
De rir e que, ai de mim, também perdi!
Mas inda agora a estou sentindo aqui,
Grave e boa, a escutar o que lhe digo:
Tu que és a minha doce Prometida,
Nem sei quando serão as nossas bodas,
Se hoje mesmo... ou no fim de uma longa vida...
E as horas lá se vão, loucas ou tristes ...
Mas é tão bom, em meio às horas todas,
Pensar em ti ... saber que tu existes! [2]
A cada morte corresponde um renascimento. O tema da reencarnação aparece com clareza na poesia de Olavo Bilac (1865-1918). Para ele, também, a evolução do nosso espírito imortal não ocorre em uma única vida. Diz Bilac:
Outras almas talvez já foram tuas:
Viveste em outros mundos ... De maneira
Que em misteriosas dúvidas flutuas,
Vida, de vidas múltiplas herdeira!
Servo da gleba, escravo das charruas,
Foste, ou soldado errante na sangueira,
Ou mendigo de rojo pela ruas,
Ou mártir na tortura e na fogueira...
Por isso, arquejas num pavor sem nome,
Num luto sem razão: velhos gemidos,
Angústias ancestrais de sede e fome,
Dores grandevas, seculares prantos,
Desesperos talvez de heróis vencidos,
Humilhações de vítimas e santos ... [3]
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“Sangueira”, por onde vai o soldado errante, é a batalha, o derramamento de sangue.
“Dores grandevas” são dores que duram tempos imensos.