quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A Magia do Final de Ano




A Magia do Final de Ano

Como o Ciclo Solar Traz Iniciações, Grandes e Pequenas



Carlos Cardoso Aveline


O tempo é circular. Tudo o que ocorre ao longo dele é cíclico. Cada final traz um novo começo, e o modo como terminamos um ano das nossas vidas ajuda a definir como será, para nós, o ano seguinte.

Um breve momento é resultado, e semente, de processos imensamente longos. Segundo a filosofia esotérica, também cada ano que passa é um resumo de toda a nossa vida. O final de cada ciclo é oportuno para refletir sobre nossas vitórias e dificuldades, fazer um balanço – e renovar a decisão de viver de maneira sábia.

As quatro estações do ano correspondem de certo modo às quatro grandes etapas de uma vida humana. A segunda metade do inverno é a infância, que prepara a primavera da juventude. Por enquanto, tudo parece ajudar o nosso desenvolvimento pessoal: somos protegidos e educados, e as tendências da natureza conspiram a nosso favor. Já na primavera e no verão, que correspondem ao período que vai da juventude à meia-idade, se dão os grandes desafios e as principais realizações. Depois vem o outono, a primeira parte da velhice, quando é hora de recolher-se ao fundamental e de substituir com a sabedoria acumulada a força que falha cada dia mais. O ciclo termina com a primeira metade do inverno, a parte final da velhice. Esta é a época da grande renúncia, da travessia de volta para o todo universal, de onde um dia viemos, e de onde no futuro poderemos emergir novamente para uma outra forma de existência, sem nada lembrar do ciclo anterior.

O que permite distinguir as quatro diferentes estações é o ciclo anual da distribuição da energia solar. O sol é a grande fonte de vida material e espiritual em nosso planeta. O futuro de cada força vital depende diretamente da sua relação com ele. Muito mais que uma estrela física, o sol é na verdade o logos solar, a fonte espiritual de tudo o que ocorre em cada um dos seus planetas. Assim, o ciclo da luz solar em nosso planeta também constitui um mapa que assinala a longa jornada de cada alma humana, com seus períodos de expansão e retração, crescimento e decadência, morte e ressurreição.

“O ano místico”, escreveu o teosofista Gottfried de Purucker, “contém quatro pontos sazonais, e estas quatro estações, em seu ciclo, simbolizam os principais eventos no progresso da alma imortal ao longo do caminho iniciático (de expansão da sabedoria). Primeiro, o solstício do inverno, que é chamado de Grande Nascimento e ocorre quando o aspirante faz com que nasça Deus dentro de si, e pelo menos durante algum tempo se mantém em unidade com o mundo divino em consciência e em sentimentos. Este é o nascimento do Buda interior, que surge do esplendor espiritual do sol, ou o nascimento do Cristo místico.” [1]

A palavra solstício, de origem latina, significa “sol imóvel”. No momento máximo do verão, o solstício é o momento em que a luz do sol pára de crescer, para voltar a diminuir, abrindo espaço para o outono. Já no auge do inverno, o solstício indica o momento em que a luz do sol pára de diminuir, para voltar a crescer, preparando a primavera. O solstício do inverno é o momento da noite mais longa do ano, a partir do qual o sol passa a recuperar forças. Daí a idéia de nascimento, ou renascimento. No hemisfério norte, este evento astronômico corresponde ao período do Natal, porque os cristãos adotaram para si a antiga Festa do Sol da tradição pagã.

No hemisfério sul, o solstício de inverno corresponde às nossas festas juninas. Nelas, o fogo noturno simboliza a luz do sol vencendo a noite. A imagem corresponde à primeira grande iniciação. Há um nascimento espiritual depois de um longo período probatório em que o buscador da verdade foi duramente testado pela vida. Desperta o Cristo interior, ou seja, a intuição espiritual, a luz de Buddhi. No Novo Testamento, Jesus fala (para o bom entendedor) da primeira iniciação ao ensinar: “Em verdade lhes digo que, se não mudarem, e não se tornarem como as crianças, de modo algum entrarão no Reino dos Céus” (Mateus 18: 3-4). A imagem é clara: o iniciado do primeiro grau é puro como uma criança. O foco da sua consciência nasceu no nível do eu imortal. Sua consciência pode ser ainda como uma criança indefesa, vivendo precariamente e ameaçada por Herodes (o egoísmo circundante); mas já nasceu e está colocada no centro da vida concreta, iluminando todas as coisas.

O segundo grande momento da jornada evolutiva da alma avançada é simbolizado astronomicamente pelo equinócio da primavera, em que o dia e a noite têm forças e dimensões iguais, durante a fase crescente da luz. A palavra “equinócio” também tem origem latina e significa “noite igual”. No Brasil, o equinócio da primavera abre em setembro a estação em que tudo floresce.

A terceira etapa se abre com o solstício do verão, que corresponde, no hemisfério sul, ao nosso Natal. Aqui a duração do dia chegou ao seu ponto máximo e começa a abrir caminho para o outono. O último grande evento do ciclo é o equinócio do outono, quando a noite alcança o mesmo tamanho do dia, a caminho do inverno que simboliza a morte. Cada inverno, por sua vez, dará lugar a um novo renascimento.

A visão da jornada da alma humana imortal através de quatro grandes iniciações, até atingir a perfeição, é tão velha quanto a filosofia esotérica – e imensamente mais antiga que o cristianismo. Muitos séculos antes da era cristã, a filosofia oriental já tinha nomes sânscritos para os estágios superiores do caminho espiritual. Uma quinta etapa, a “ressurreição de Cristo” é, na verdade, o despertar  já no reino divino – do grande adepto, mahatma, rishi ou sábio, que teve sua condição humana “crucificada”, isto é, se libertou da roda do renascimento obrigatório. Esta é a quinta grande iniciação.

Vale a pena examinar o que ensina a tradição esotérica. A primeira grande iniciação, srotapatti, é marcada pela total ausência de egoísmo no coração do ser humano. A humildade, simbolizada na linguagem cristã pela pobre manjedoura, assinala a ausência de orgulho ou egocentrismo. A presença de vários animais em torno do menino Jesus simboliza a comunhão essencial do iniciado com todos os seres. As estrelas no céu mostram que esta unidade fundamental inclui o universo inteiro. As forças poderosas mobilizadas para uma tentativa de frustrar o seu nascimento simbolizam as provações e testes que a alma deve vencer. Refletem, também, o fato de que uma grande iniciação é um momento de fragilidade e vulnerabilidade, do ponto de vista do mundo externo.

Já a segunda iniciação, sakridagamin, corresponde ao surgimento de um forte intelecto a serviço do coração. É o equinócio da primavera, que traz o predomínio crescente da luz. Na vida de Cristo, corresponde ao momento em que o menino Jesus prega aos doutores no templo (Lucas, 2: 46-49). É o despertar da mente superior, manas, a inteligência livre das aparências, ágil, eclética, capaz de ver com clareza a mesma verdade essencial em todas as boas religiões, ciências e filosofias. Para o iniciado do segundo grau, o pensamento positivo e a ação solidária surgem naturalmente do fato de que ele percebe, sem qualquer esforço, o total domínio da Lei do Equilíbrio sobre a realidade aparente, cujas numerosas armadilhas só enganam o ingênuo e o “astucioso”. Se a primeira iniciação faz enxergar toda vida do ponto de vista da bondade, a segunda coloca uma inteligência de grande poder a serviço do amor altruísta. É a primavera iluminando o mundo.

A terceira iniciação, anagamin, corresponde, como vimos, ao solstício de verão. O sol chegou ao auge e passa a preparar-se para a sua grande renúncia. Na vida de Jesus, é a Transfiguração (Mateus, l7). Num alto monte, o rosto de Jesus “resplandece como o sol”. Em seguida, ele percebe todo o sofrimento que o futuro lhe reserva, sua própria morte e a ressurreição (Mt l7: 22-23). Ao assumir a iniciação anagamin, a alma toma uma firme decisão de ir até o final no doloroso sacrifício da sua condição humana, sabendo que o processo culminará na crucificação da sua personalidade ou aniquilação do seu eu inferior, para que possa renascer no mundo divino.

A quarta iniciação, de arhat, corresponde astronomicamente ao equinócio de outono, e, na vida de Jesus, à crucificação. É a chegada da morte, ou inverno, o que possibilitará o renascimento ou ressurreição além dos limites do universo conhecido. Aqui a alma morre definitivamente para as experiências do reino humano. A quinta iniciação, aseka, corresponde à ressurreição. O adepto, o mahatma, o rishi, o Imortal – simbolizado por Jesus no Novo Testamento – ressurge em um reino superior ao humano e está livre do sofrimento tal como o conhecemos, mas ainda guia nossas almas no caminho do bem.

Há pelo menos duas conclusões práticas a serem tiradas desta jornada mágica das almas mais evoluídas da nossa humanidade.

A primeira delas é que podemos preparar-nos desde já para metas divinas, mesmo que elas sejam distantes. Esta opção terá efeitos positivos imediatos em nossa vida. No momento atual da evolução humana, os espiritualistas não-dogmáticos – capazes de aproveitar o que há de melhor em diferentes religiões, ciências e filosofias – podem preparar-se ativamente para a primeira grande iniciação. Mas não convém ter muita pressa. A ignorância espiritual só desaparece aos poucos, e o processo preliminar requer, sem dúvida, várias vidas.

Segundo a filosofia esotérica, a alma humana não interrompe seu aprendizado espiritual ao final de uma única existência. Ela renasce repetidamente para ganhar mais experiência e avançar em direção à luz, até alcançar a proficiência – o “adeptado” – e completar o ciclo evolutivo do reino humano. A cada nova encarnação, o aprendizado espiritual é retomado no ponto em que se interrompeu na vida anterior, embora as circunstâncias externas possam ser completamente diversas. Depois haverá outra encarnação, e outra, até as várias iniciações. Finalmente virá a libertação definitiva das limitações humanas. Na visão integral e transcendente proposta pela filosofia esotérica, a vida no planeta Terra constitui uma única e grande onda evolucionária que faz parte da vida mais ampla do cosmo. Em nosso pequeno jardim planetário, as vidas vegetais estão a caminho do reino animal. As almas dos animais estão a caminho do reino humano. Do mesmo modo, nossas almas humanas avançam, lentamente, em direção ao mundo divino. Assim é que circula a luz divina pelo universo, reciclando eternamente espírito e matéria.

Preparar-se para a primeira grande iniciação, srotapatti, é abrir terreno para o Natal Interior, isto é, o nascimento de Cristo em nosso próprio coração. Porque, se não encontrarmos o Mestre dentro de nós, “é inútil procurar em outra parte”, como ensina o livro “Luz no Caminho” [2]. Este é o caminho da purificação. É desenvolver a humildade necessária para, primeiro, observar serenamente o movimento do egoísmo dentro de nós, e depois libertar-nos passo a passo do emaranhado de interesses e preocupações egocêntricos, colocando-nos a serviço da verdade e da justiça em todas as dimensões da vida. Assim, aprendemos a identificar-nos com a vida maior e não com a vida pequena ou os impulsos animais de busca de segurança e fuga das expectativas de dor.

A segunda conclusão prática é que a história do Novo Testamento simboliza a vida de todos nós. De certa forma, podemos viver hoje, em nossas vidas diárias, amostras pequenas, mas poderosamente inspiradoras, do significado das cinco grandes iniciações. Os mistérios eternos estão sempre ao nosso lado, prontos para a eventualidade de despertarmos, e inspirando-nos em tudo o que é possível. Quem sabe se agora não é o momento?

Ao final de cada ano ou de cada etapa em nossas vidas, seja ela grande ou pequena, podemos fazer um inventário e perguntar-nos pela nossa capacidade de nascer e renascer a cada dia como crianças livres do passado e dos processos de rancor, ódio, cobiça e outros sentimentos negativos. Como vive a criança divina em nosso interior? Ainda sabemos renascer?

É possível antecipar algo da segunda iniciação e avaliar, periodicamente, como anda nossa coragem de buscar a verdade, de olhar a realidade além das nossas opiniões e idéias fixas prediletas, de estudar coisas novas e abrir rumos renovadores à nossa vida intelectual, optando pela inteligência do coração e não pela astúcia da mente egoísta. É possível, nos aspectos da vida em que já podemos ver o anúncio do outono e do inverno, tomar uma firme decisão de renunciar a tudo o que não é de fato nosso, e a cooperar com a vida mesmo quando ela não nos beneficia dando coisas agradáveis, mas nos ensina pelo caminho do desapego e do sacrifício. Assim estaremos vivendo, hoje mesmo, uma parcela infinitamente pequena, mas útil, da terceira iniciação.

Podemos avaliar também as várias e dolorosas “crucificações” que já vivemos nesta vida. Quantos desesperos e derrotas? E quantas lições aprendidas? Qual nossa atitude quando experimentamos crucificações, traições e injustiças? Permanecemos no território da verdade, da ética e do amor altruísta? E quantas vezes, depois da tempestade e da cruz, veio a bonança da ressurreição? Quantas vezes uma nova etapa da vida, primaveril, cheia de promessas e potencialidades, abriu-se inesperadamente diante de nós, apenas porque havíamos sabido sofrer sem ódio ou desespero? A ressurreição é um Natal em um nível mais elevado, assim como o Natal é a promessa da ressurreição total a que nossa alma terá direito um dia.

Por outro lado, o Natal ocorre pouco antes do Ano Novo. Essa proximidade parece refletir sincronicamente o fato de que o nascimento de uma nova consciência, mais sábia, sempre nos abre a possibilidade de um novo começo prático em nossas vidas. Assim, o melhor presépio está em nossos corações e mentes. É ali que acontece, a cada dia, o milagre do nascimento. E da iniciação.

NOTAS:

[1] “The Four Sacred Seasons”, de Gottfried de Purucker, Theosophical University Press, Califórnia, EUA, pp. 42 a 45 e 73 e seguintes. Veja também o “Dictionary of All Scriptures & Myths”, de G. A. Gaskell, Gramercy Books, Nova Iorque, EUA.

[2] “Luz no Caminho”, Mabel Collins, Editora Teosófica, Brasília.


Publicado em http://www.filosofiaesoterica.com/

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Verdadeiro significado do sinal da cruz




O Verdadeiro significado do sinal da क्रूज़



A Teosofia do Sinal da Cruz


O Significado Universal de um Velho Símbolo Cristão


Carlos Cardoso Aveline

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Um diamante não perde seu significado, ou seu valor, por estar enterrado no solo e no barro: tampouco o ouro ou qualquer pedra preciosa. Assim, o fato de que algo bom seja esquecido ou ignorado não pode diminuir o seu valor: ao contrário, torna-o ainda mais valioso.

O mesmo ocorre com a sabedoria antiga e a filosofia esotérica, que ainda hoje dormem, em um berço nem sempre esplêndido, sob a superficie rotineira dos dogmas cristãos da idade média. Existe, por exemplo, uma versão esotérica, rara e esquecida da oração “Pai Nosso”, e ela foi publicada por H. P. Blavatsky no século 19. [1] Vamos abordar agora o significado esotérico e profundo de outro elemento cotidiano da cristandade: o sinal da cruz. Há séculos ele tem sido usado em todo o mundo. Na verdade, ele tem origem cabalística e possui um significado amplo, filosófico, livre de qualquer relação com crenças supersticiosas.

Em “Ísis Sem Véu” – uma das duas obras monumentais da filosofia esotérica – H.P.Blavatsky mostra em detalhes o processo pelo qual o cristianismo de Roma apropriou-se dos antigos conhecimentos das tradições “pagãs” de sabedoria e, em seguida, passou a perseguir estas mesmas tradições (inclusive a tradição judaica), destruindo suas obras escritas e matando os seus mestres e alunos. Item por item, H.P.B. vai demonstrando que a teologia romana cristã é, na verdade,“pagã”.

Ela escreve:

“Seria realmente muito doloroso tirar de Roma, de uma única vez, todos os seus símbolos; mas é preciso fazer justiça aos hierofantes despojados. Muito tempo antes que o sinal da Cruz fosse adotado como símbolo cristão, ele era empregado como um sinal secreto de reconhecimento pelos neófitos e pelos adeptos.”

Em seguida, H.P.B. cita palavras de Eliphas Levi, em sua obra “Dogma e Ritual da Alta Magia”:

“O sinal da cruz adotado pelos cristãos não pertence exclusivamente a eles. Ele é cabalístico e representa as oposições e o equilíbrio quaternário dos elementos. Constatamos, na estrofe oculta do Pater, à qual aludimos em volume anterior desta obra, que havia originalmente duas maneiras de fazê-lo, ou, pelo menos, duas fórmulas muito diferentes para expressar o seu significado; uma reservada aos sacerdotes e aos iniciados; e outra, comunicada aos neófitos e aos profanos. Assim, por exemplo, o iniciado, levando a mão à fronte, dizia: ‘A ti’; então ele acrescentava; ‘pertencem’; e continuava, enquanto levava a mão ao peito – ‘o reino’; depois, ao ombro esquerdo; ‘a justiça’ ; e ao ombro direito; ‘e a compaixão’. Então ele juntava as mãos e acrescentava: Através dos ciclos da geração: Tibi sunt Malkhuth,et Gerburah et Hesed, per Aeonas’ – um sinal da Cruz total e magnificamente cabalístico, que as profanações do gnosticismo fizeram a Igreja praticante e oficial perder por completo.” [2]

Até aqui, Eliphas Levi, citado por H.P.B. Vejamos agora, ponto por ponto, algo sobre o significado deste gesto simbólico e das palavras cabalísticas associadas a ele: “A ti pertencem o reino, a justiça e a compaixão. Através dos ciclos de geração.”

1) “A ti pertencem” – As palavras “a ti” se referem a Atma, o sétimo princípio da anatomia oculta do ser humano. Este é o princípio supremo imortal, o eu superior que vive em unidade com a lei do universo, simbolicamente situado na testa.

2) “o reino,” – Ou seja, o reino dos céus, situado no peito ou no coração. Esta é a consciência do mundo divino, a luz espiritual, Buddhi, o sexto princípio da compreensão universal das coisas, o amor universal.

3) “a justiça e a compaixão.” – Estes são os dois pratos da balança. O reino dos céus (consciência divina) é feito de justiça e compaixão, e para afirmar-se necessita do equilíbrio entre estes dois fatores. Qualquer uma destas duas virtudes só pode existir com base na outra. Sem justiça, a compaixão é falsa. Sem compaixão, a justiça é falsa. Sem justiça e compaixão, não há consciência divina (reino dos céus). O amor universal é feito de justiça e compaixão. É graças às duas virtudes (inseparáveis do discernimento) que o estudante tem acesso ao princípio Supremo e superior (Atma), simbolicamente situado na testa.

4) Através dos ciclos da geração. – As palavras “os ciclos da geração” se referem ao caráter cíclico do tempo eterno e mais especificamente à reencarnações de cada individualidade humana. Aqui a sabedoria da Cabala aponta para a “doutrina dos ciclos”, uma parte essencial da teosofia.

Os dois ombros humanos simbolizam a responsabilidade do indivíduo diante da vida. É a combinação de justiça (ombro esquerdo) e compaixão (ombro direito) que permite ter força e estabilidade ao longo de uma encarnação.

O sinal da cruz cabalístico aciona quatro fatores, e tem relação direta com os quatro elementos (fogo, água, terra e ar). Ele também se refere à Tetraktis ou Tétrade sagrada dos pitagóricos; aos quatro pontos cardeais; e ao Tetragrammaton, o nome de quatro letras da divindade na tradição mística judaico-cristã (IHVH).

A dimensão geométrica e o significado interior do sinal da cruz têm fortes correlações com a filosofia maçônica e a sabedoria salomônica. O templo de Salomão, esotericamente, simboliza o corpo humano.

Para a filosofia antiga e teosófica, como para o cristianismo autêntico, o corpo humano é o grande templo, e os templos físicos são apenas símbolos externos dele. O corpo é a casa do Espírito: “o Espírito está dentro de nós”. Em I Coríntios 3:16, o Novo Testamento afirma: “Não sabeis que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” E em II Coríntios 16, lemos: “Porque vós sois o templo vivo de Deus”.

Segundo a tradição, o templo de Salomão está voltado para o Leste e possui duas colunas, chamadas de “Boaz” e “Jachim”. Idealmente, ao fazer o sinal da cruz, o estudante de sabedoria divina não só se reconhece como um templo vivo, mas também está voltado fisicamente para o Leste, o Nascente. Seus ombros e braços correspondem às colunas. O termo “Boaz”, que corresponde ao ombro esquerdo ou coluna Norte, significa “na força” ou “em fortaleza”. O termo “Jachin”, que corresponde ao ombro direito ou coluna Sul, combina uma abreviatura de “Jeová” (Divindade) com um termo que significa “Estabelecer”.

Assim, quando fazemos a correlação do sinal da cruz cabalístico-cristão com a tradição salomônica e maçônica, vemos o seguinte:

“O reino dos céus (Jeová, a Sabedoria Divina) tem força, isto é, se estabelece como uma fortaleza, quando tem por base a Justiça.”

Quando reconhecemos o corpo humano como um templo, isto é, um invólucro externo de uma presença divina interior, podemos perceber a relação prática entre o sinal da cruz cabalístico e outro campo de conhecimento, a Filosofia da Ioga.

Vejamos, passo a passo, como se dá esta correlação. Inicialmente, enquanto o devoto pronuncia ou pensa as palavras “A ti pertencem”, o sinal da cruz ativa a testa, um ponto intermediário entre os dois chácras superiores, respectivamente localizados no alto da cabeça ( chacra Sahasrara) e entre os dois olhos (chacra Ajna).

A seguir, enquanto o devoto pronuncia as palavras “o reino”, o sinal da cruz toca uma parte do corpo que se refere ao chacra Anahata, localizado no coração. Em seguida, o estudante toca os dois ombros, pronunciando, respectivamente, as palavras “a justiça” (ombro esquerdo) e “a compaixão” (ombro direito).

Os dois ombros simbolizam as duas correntes energéticas ou “colunas” (Nadis) que ligam os chacras, segundo a ioga. Uma das correntes é positiva e ativa: a Justiça. A outra é compreensiva e contemplativa: a Compaixão.

Finalmente, ao unir as duas mãos enquanto pronuncia as palavras “Através dos ciclos de geração”, o devoto fecha o círculo harmonizando simbolicamente os dois hemisférios cerebrais, os dois nadis e as correntes yang e yin em sua natureza interior.

Esta visão esotérica do sinal da cruz vai além de mostrar a relação viva que há entre o corpo e alma, ou e templo e o espírito. A prática original do sinal da cruz é, também, um modo ativo e consciente de expressar o compromisso do indivíduo atento com a consciência universal.

Através do verdadeiro sinal de cruz, que nada tem a ver com superstições, o indivíduo se estabelece simbolicamente na consciência divina. Ele assume por mérito próprio “o poder que o faz parecer nada aos olhos dos outros”. Ele assume o poder de estar em união fraterna com a Lei Universal e com todos os seres.



O texto foi distribuído pela lista do boletim

eletrônico mensal “O Teosofista”, e também está

publicado no website www.filosofiaesoterica.com





sábado, 24 de outubro de 2009

Amor e Disciplina...




Disciplina e Amor...

Um Trecho do Livro “Os Sete Níveis da Intimidade”

Matthew Kelly

Quando você pensa na palavra 'disciplina', o que lhe vem à mente? Para muitos, disciplina faz lembrar um professor exigente, um pai ou mãe controladores. Tente deixar de lado essa idéia e pense na disciplina que um atleta adota livremente para obter o melhor de si mesmo. Ninguém pode torná-lo disciplinado. A disciplina é um presente que damos a nós mesmos.

Todos os aspectos do ser humano desabrocham com disciplina, e o mesmo acontece com os relacionamentos. A disciplina é o preço que a vida cobra pela felicidade. Novamente, não estou falando do prazer passageiro, e sim de felicidade duradoura. Você não pode ser feliz por um período longo se não tiver disciplina.

A disciplina é a estrada que leva à plenitude da vida.

Pense nos quatro aspectos do ser humano: físico, emocional, intelectual e espiritual. Quando nos alimentamos bem, nos exercitamos com freqüência e temos uma rotina de sono regular, nos sentimos mais plenamente vivos fisicamente. Quando amamos, quando damos prioridade aos relacionamentos significativos de nossas vidas, quando nos dedicamos a ajudar os outros em sua jornada, nos sentimos mais vivos intelectualmente. Quando entramos na escola do silêncio e nos postamos diante de Deus em oração, vivenciamos a vida mais plenamente do ponto de vista espiritual.

Cada uma dessas formas de vida mais plena requer disciplina.

Alimentar-se bem requer disciplina. Exercitar-se requer disciplina. Pensar nas necessidades dos outros antes das nossas requer disciplina. Tornar-nos as melhores pessoas que podemos ser exige escolhas, e as escolhas requerem disciplinas.

Você está desabrochando? Ou apenas sobrevivendo?

Quando nos sentimos mais plenamente vivos? Quando adotamos uma forma de disciplina. O ser humano desabrocha com a disciplina.

A disciplina é a chave da liberdade. É fácil ceder ao apelo dos prazeres momentâneos que este mundo oferece com tanta facilidade, mas todos os grandes homens e mulheres conhecem o valor de adiar as gratificações imediatas. Os heróis, líderes, campeões e santos que povoam os livros de história souberam adotar a disciplina muito bem.

Neste momento da história, o prazer e a gratificação imediata parecem ser os mestres da maioria das pessoas. Nós nos vemos escravizados e aprisionados por milhares de caprichos, anseios, vícios e apegos. Interiorizamos a idéia de que liberdade é a capacidade de fazer o que se quer, quando e onde se tem vontade, sem interferência de qualquer autoridade.

Mas liberdade não é a capacidade de se fazer o que se quer. Ser livre é ser capaz de escolher. Liberdade é a capacidade de escolher a cada momento o que é bom, verdadeiro, nobre e certo, para ir se tornando a melhor pessoa que você pode ser. Liberdade sem disciplina é impossível.

Mas a liberdade não é o centro da vida. Não. O amor é a essência da vida. O amor é a grande alegria da vida e sua maior lição. O amor é a única razão pela qual se dá a vida. Nós nos mantemos ocupados com tantas coisas e deixamos de lado, ignoramos, negligenciamos essa única e grandiosa tarefa. O amor é a principal e mais importante tarefa ― amar a si mesmo, esforçando-se para se tornar a melhor pessoa possível; amar os outros, incentivando-os em sua busca para se tornarem as melhores pessoas possíveis; e amar a Deus, tornando-se tudo aquilo que você foi criado para ser.

Para amar, porém, você precisa ser livre, pois amar é entregar-se a alguém ou a alguma coisa gratuitamente, de forma completa, incondicional e sem reservas. Mas, para se entregar ― a outra pessoa, a uma missão , a Deus ―, é preciso primeiro se conhecer e ser dono de si mesmo. A posse de si mesmo é a liberdade. Ela é um pré-requisito para o amor e só pode ser obtida por meio de disciplina.

É por isso que tão poucos relacionamentos florescem na nossa época. A própria natureza do amor exige a posse de si mesmo. Sem auto-controle e auto-domínio, somos incapazes de amar e de nos entregarmos.

O problema é que não queremos disciplina. Queremos que alguém nos diga que podemos ser felizes sem disciplina. Mas é impossível. Na verdade, se você quiser medir seu nível de felicidade, meça o nível de disciplina em sua vida. Os dois estão diretamente relacionados.

Cada passo em direção à melhor pessoa que podemos ser requer disciplina. (...)

Se não houver disciplina, não há amor.

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Reproduzido das pp. 53-55 do livro “Os Sete Níveis da Intimidade”, de Matthew Kelly, Ed. Sextante, RJ, 2007, 221 pp. Em língua inglesa, visite o site www.matthewkelly.org .

Texto publicado em http://www.filosofiaesoterica.com/ler.php?id=383




quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A Magia das Árvores




A Magia das Árvores


E a Sua Importância Decisiva Para o Ser Humano


Carlos Cardoso Aveline


Árvores. A mera presença delas desperta uma paz e um sossego na alma humana. Esse é um segredo que explica por que – desde os tempos mais remotos – em todos os cantos do mundo, os sábios e místicos têm usado florestas como locais de refúgio e de inspiração.

Há uma relação natural e instintiva entre a árvore e o homem. Até os seus modos de respirar se completam. Aquele que medita pode aprender com as árvores uma sábia e serena imobilidade. Na antiga Índia, conta a lenda que Gautama Buda alcançou a iluminação ao pé de uma grande árvore chamada Bodhi, símbolo da sabedoria universal. Sentou-se ali em um entardecer, foi saudado amorosamente pelos seres da floresta, e travou sua batalha final. No momento da aurora, venceu definitivamente a ilusão e a ignorância.

É difícil imaginar seres tão benéficos quanto as árvores. Elas embelezam a paisagem, dão sombra, madeira, frutas, e são o refúgio e abrigo de pássaros e outras espécies de animais. Comunicam o subsolo com a atmosfera e purificam o ar. Atraem nuvens, regulam as chuvas, estabilizam o clima e garantem a umidade do solo. Combatem a erosão e evitam o excesso de ventos.

Mas, além das suas funções vitais e práticas, a árvore tem uma forte natureza mágica. Ela é universalmente considerada um símbolo do relacionamento entre céu e terra. Com sua estrutura vertical – o tronco – a árvore estabelece um eixo simbólico de ligação entre o mundo físico e o mundo divino. Por outro lado, seus galhos, ramos, folhas e frutos reúnem toda uma comunidade de aves, insetos, répteis e pequenos mamíferos, o que é um símbolo da infinita diversidade da vida.

Naturalmente, o Paraíso da tradição judaico-cristã é um bosque. Ali, segundo Gênesis, II, “Deus fez crescer do solo toda espécie de árvores formosas e boas de comer”. Porém, há duas árvores que se destacam nesse local sagrado. Uma delas é a árvore da sabedoria, que dá o conhecimento do bem e do mal. A outra é a árvore da vida, que simboliza a imortalidade.

Estas duas árvores não são inteiramente exclusivas da Bíblia: em seu tratado sobre história das religiões, Mircea Eliade destaca que os antigos babilônios também situavam duas árvores na entrada leste do Céu. Uma era a árvore da vida, e a outra a da verdade.

No Bhagavad Gita hindu (Cap. XV), o Universo é uma árvore invertida que tem suas raízes no céu e suas folhas e frutos na Terra. Seu nome é Asvartha, e sua imagem simboliza a manifestação concreta da vida cósmica. A mesma árvore com raízes no céu e frutos na terra aparece sob o nome de Yggdrasil no folclore dos países do Norte da Europa.

Do ponto de vista microcósmico, essa árvore mitológica representa cada alma humana, cujas origens e raízes estão na eternidade, mas cujas folhas e frutos são as atividades práticas do mundo concreto.

Mas, macrocosmicamente, esta árvore simboliza o universo material como um todo, que surge periodicamente do mistério e do mundo oculto para florescer em uma vida física e espiritual infinitamente variada.

Cada ser humano, como cada árvore, é uma miniatura e um resumo do universo. Esse é um dos motivos pelos quais temos tanto a ganhar convivendo com as árvores. A experiência de comunhão com elas faz parte de uma comunhão maior com toda a natureza e liberta a alma humana de seu sofrimento. John Muir, o grande pioneiro da preservação ambiental, deu seu testemunho a respeito.

Certo dia, no final do século 19, John estava decepcionado com alguns seres humanos. Para recuperar a consciência da sua unidade interior com todas as formas de vida, ele foi nadar sozinho em um grande lago, em região desabitada. Mais tarde, contou: “Foi o melhor batismo de água que jamais experimentei”. Ao sair do lago, ele olhou para o norte e viu as montanhas. Observou como as curvas suaves do vale desciam até mergulhar nas águas do lago. Então decidiu: “Agora terei outro batismo. Vou mergulhar minha alma no alto céu. Avançarei entre os pinheiros, entre as ondas de vento do topo das montanhas”.(1) Para Muir, não havia templo melhor que a natureza a céu aberto.

A árvore é cantada em prosa e verso nas mais diferentes culturas, e está presente nas imagens primordiais das várias religiões. O taoísmo ensina que uma árvore sagrada, um pessegueiro, cresce na montanha K’un-lun e floresce uma vez a cada mil anos. São necessários três mil anos para que o fruto desse pessegueiro amadureça. O seu pêssego milenar é grande como um melão, mas vermelho e brilhante. Uma mordida nele é suficiente para que a pessoa prolongue sua vida até mil anos. Só os imortais, que alcançaram a sabedoria eterna, têm as credenciais necessárias para alimentar-se com o fruto do pessegueiro em flor.(2)

Era nas florestas que os sábios taoístas, budistas e hindus se refugiavam, mantendo-se afastados ao mesmo tempo da sociedade mundana e das burocracias religiosas. Também os magos druídas desenvolveram sua sabedoria nas florestas.

O humilde e silencioso crescimento de cada árvore é um símbolo cósmico da transformação do que é pequeno no que é grande, do que é potencial no que é real. No Novo Testamento, Jesus afirma que o Reino dos Céus é “semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou em suas mãos e lançou em sua horta; ele cresce, torna-se árvore, e as aves do céu se abrigam em seus ramos” (Lucas, 13: 18).

Mas a popularidade universal das árvores não impediu a sua constante destruição em função de interesses materiais de curto prazo.

No mundo antigo, as novas civilizações surgiam saudáveis em regiões bem florestadas. Algum tempo depois, as populações já se multiplicavam e o consumo de madeira crescia excessivamente. As árvores eram usadas como lenha – algo indispensável para fundir metais – e também como material para construir casas e barcos.

É verdade que o mundo grego já procurava proteger suas florestas desde Aristóteles. As cidades da Grécia tinham os seus arvoredos sagrados, equivalentes aos parques nacionais de hoje. Mas, apesar das cautelas, esses bosques intocáveis foram destruídos. A decadência de Atenas, a partir de 404 a.C. está relacionada com o esgotamento das suas florestas durante as guerras.

Cada sociedade que ganhava poder e influência usava a guerra como meio de expandir-se. Então as reservas florestais eram usadas para fundir metais, para produzir armas e construir navios de combate. O desmatamento descontrolado provocava a erosão do solo, que destruía a produtividade agrícola, provocando a decadência da sociedade e finalmente a sua derrota nas guerras. Por isso, Helena Blavatsky escreveu que a decadência de uma civilização se segue à destruição das suas florestas tão inevitavelmente quanto a noite segue o dia.

O mundo romano, como a sociedade grega, devia sua força às árvores. A floresta era considerada mãe de Roma. Todo o crescimento do império romano se baseou sobre o uso das florestas e de outros recursos naturais, no seu próprio território e nos territórios de povos distantes. Mas valeu a regra geral e o caso de Roma não foi uma exceção: no seu devido tempo, a destruição das florestas e da base ecológica da vida ajudou a provocar a decadência e o fim do vasto império que dominava o mundo.(3)

Ao longo de milênios, enquanto alguns cortavam as árvores, outros as viam como seres sagrados. Com seu charme encantador, elas sempre inspiraram sentimentos religiosos. Na Inglaterra, só no século 11 a Igreja cristã, finalmente, decretou que era “pecado” construir um santuário em torno de uma árvore. Mas em 1429, o clérigo de Bungay ainda sustentava que as imagens religiosas não tinham muito valor, e que as árvores tinham mais energia e virtude, “sendo mais adequadas ao culto do que pedras ou madeira morta esculpida com a forma de um homem”. Alguns dos primeiros protestantes consideravam que se podia rezar tanto nos bosques como nas igrejas.

Quando a madeira começou a escassear na Inglaterra do século 17, surgiu a prática do reflorestamento e a preservação florestal ganhou força. A admiração pelas árvores também se apoiava em certos mitos cristãos, na época considerados literalmente verdadeiros. Em 1670, por exemplo, John Smith, especialista em silvicultura, sustentava que alguns carvalhos ingleses ainda vivos haviam surgido no primeiro verão depois do Dilúvio, e que uns poucos entre eles eram, inclusive, “do momento da Criação do mundo”.

Exageros à parte, os fiéis das paróquias inglesas faziam uma peregrinação anual. Durante a caminhada, paravam de quando em quando diante de um carvalho de maior porte para ler as escrituras e rezar ao pé da árvore, que consideravam sagrada. O poeta inglês Alexander Pope escreveu que uma árvore é “uma coisa mais nobre do que um príncipe em traje de coroação”. As árvores eram temas de livros. Plantá-las era um esporte em toda a Europa. Essa tendência cultural compensou, em parte, a devastação causada pela revolução industrial, cuja poluição ambiental era extrema.(4)

O que dizer do Brasil? Nosso país deve seu nome a uma árvore. Depois de 500 anos de desmatamento, ainda somos donos de mais da metade da maior floresta tropical do mundo. As árvores ocupam lugar central em nossa história, nossa economia e nossa cultura. As lendas tradicionais falam de Curupira, o deus que protege as florestas brasileiras. Ele é um pequeno índio com os pés voltados para trás, e seu corpo não tem os orifícios necessários para as excreções indispensáveis à vida. Por isso, o povo do Pará o chama de muciço. No Amazonas, Curupira é visto como um pequeno índio de quatro palmos de altura, careca, mas com o corpo coberto de pelos. No rio Tapajós, ele tem apenas um olho.

O pequeno deus Curupira é dotado de uma força extraordinária. Para experimentar a resistência das árvores antes de uma tempestade, ele bate nelas com o calcanhar. Curupira tanto mostra a caça como a esconde. Sua função é proteger a mata e seus habitantes. Todo aquele que derruba ou estraga inutilmente as árvores é punido por ele com o castigo de caminhar indefinidamente pelo bosque sem poder lembrar do caminho de casa. Por isso era temido pelos indígenas.

“Curupira foi o primeiro duende selvagem que a mão branca do europeu fixou em papel e comunicou a países distantes”, escreveu Luis da Câmara Cascudo. José de Anchieta já o citava em uma carta de 1560. Mas seu nome tem variações: no Maranhão, esse deus da floresta se chama Caipora. Ele tem uma presença marcante nas lendas do sul brasileiro, e ganha o nome de Curupi no Paraguai e na Argentina.(5)

Os mitos brasileiros registram o conceito de caapora (caipora no norte e nordeste) para designar genericamente qualquer um dos espíritos da natureza que aparecem nas florestas. Mas Caapora também está associado aos pequenos animais selvagens, enquanto que Anhanga é o espírito que protege os animais maiores, como a paca, a anta, a capivara e o veado. A caipora nordestina é mulher, aparece quase sempre montada em um porco-do-mato, e ressuscita os animais abatidos.

O simbolismo universal das árvores é rico e complexo – e estimula a busca da sabedoria. Cada espécie de árvore irradia uma influência e uma vibração próprias, que os seres humanos buscam descrever com palavras. O espírito do cipreste, por exemplo, representa a imortalidade. O pinheiro, a árvore escolhida para as festas de Natal, é outro símbolo da vida espiritual. A acácia representa a verdade, assim como o sicômoro simboliza a bondade.

O carvalho é a árvore de Zeus, de Júpiter, e simboliza a força divina e o eixo do mundo. A aveleira, que dá a avelã, representa a fertilidade e ainda fornece a madeira de que são feitas as varinhas mágicas. A figueira e a oliveira simbolizam a abundância. A figueira também pode representar o eixo do mundo, como o carvalho. A videira é uma árvore sagrada tanto na tradição egípcia como na antiga Israel, e alguns a associam à Árvore da Vida. A mamona – que aparece na breve história bíblica de Jonas – simboliza a imprevisibilidade do futuro e nos ensina o desapego. Ela nos faz lembrar que, apesar das aparências, a vida raramente é linear e contínua.

Os significados e as influências espirituais das árvores são inesgotáveis. Em diferentes momentos da nossa vida, cada árvore – em um parque, uma rua ou um quintal – traz a nós mensagens diferentes. Devemos estar abertos ao diálogo silencioso com estes seres benéficos. Há inúmeras vantagens nisso.

Segundo o filósofo Plotino, todas as plantas buscam a felicidade. De fato, a filosofia esotérica ensina que, assim como os animais mais evoluídos já fazem força para aproximar-se do desenvolvimento mental, as plantas, por sua vez, avançam no sentido do desenvolvimento das emoções.

Ora, as árvores estão entre os habitantes mais sábios e evoluídos de todo o reino vegetal. Há inúmeros relatos de que elas são capazes, à sua maneira, não só de receber os nossos sentimentos de amizade mas também de responder a eles. Nossa pobre inteligência humana só tem a ganhar quando percebemos a inteligência das árvores. O conteúdo das lições que elas nos trazem, porém, depende da nossa capacidade de deixar de lado as coisas pequenas, que pensamos que conhecemos, e de abrir-nos para a magia da vida.


NOTAS.

(1) “The Life of John Muir”, de Linnie Marsh Wolfe, The University of Wisconsin Press, Wisconsin, EUA, 364 pp., ver p. 193.

(2) “Seven Taoist Masters”, tradução do chinês para o inglês de Eva Wong, Ed. Shambhala, Boston e Londres, 1990, 178 pp. Ver p. 19.

(3) Para saber mais sobre a importância decisiva das florestas na história das civilizações humanas, veja a obra “História das Florestas”, de John Perlin. Ed. Imago, RJ, 1992, 490 pp.

(4) Sobre a importância das árvores na cultura inglesa, veja a obra “O Homem e o Mundo Natural”, de Keith Thomas, Cia. das Letras, SP, 1988, 454 pp., especialmente as pp. 253-266.

(5) “Geografia dos Mitos Brasileiros”, Luís da Câmara Cascudo, Ed. Itatiaia (USP), SP, 1983, 345 pp., ver pp. 84-86.


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Veja o livro “A Vida Secreta da Natureza”, de Carlos Cardoso Aveline, Terceira Edição, Ed. Bodigaya, 2007, 158 pp. Visite www.bodigaya.com.br



quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Chegará o dia em que este gesto será a regra...


Foto da frente de combate ao incêndio que devastou a Austrália.

Lindo Presente que ganhamos... Quero deixar aqui neste Cantinho que tem a mesma vibração...

Obrigada Lê !(Helena C. de Araujo)

NÃO BASTA APAGAR O FOGO (IMAGEM DO ANO)


São pequenos gestos que podem mudar o amanhã de alguém especial.
De vez em quando há coisas bonitas que valem a pena partilhar.
NÃO BASTA APAGAR O FOGO... 
* * *
"Quem não entende um olhar, muito menos entenderá uma longa explicação."
* * *
Essa é uma das imagens mais lindas que já vi. 
Olha a troca: olhar, gesto... Maravilhoso! 
O universo é um, não importa se somos um monte de átomos que forma a espécie (animal) humana, vegetal, estrelar...
Somos poeira atômica do mesmo sistema, do mesmo universo, não somos nem mais nem menos. O que nos faz maior ou menor é isso, esse gesto lindo que vem da chama divina que cada um possui mais ou menos acesa (alguns esquecem ou desconhecem que a possuem) dentro de si.



quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Nada está morto ou destituído de inteligência



Nada Está Morto ou Destituído de Inteligência


Toda Natureza é Consciente

A psicologia “moderna” mantém uma triste ilusão antropocêntrica: a ilusão segundo a qual o ser humano é o dono exclusivo da consciência.

Assim como outras áreas de conhecimento científico, a psicologia convencional parte da premissa de que o universo é inconsciente. Ela pensa que o mundo vegetal também é inconsciente. Ela vai além e considera que o mundo animal é inconsciente, e que o próprio ser humano é, amplamente, governado por algo que ela insiste em chamar de “inconsciente”.

O que vemos nesta situação é uma forma estreita de consciência imaginando que só ela própria é consciência, e que tudo o mais no universo é destituído de inteligência.

A arrogância − neste caso − é diretamente proporcional à ignorância. Em pleno século 19, H.P. Blavatsky escreveu:

“A ordem inteira da natureza evidencia uma marcha progressiva em direção a uma vida mais elevada. Há um planejamento na ação das forças aparentemente mais cegas. Todo o processo de evolução, com suas adaptações intermináveis, é uma prova disso. As leis imutáveis que eliminam as espécies fracas e frágeis, abrindo espaço para as fortes, e que asseguram ‘a sobrevivência do mais adaptado’, embora sejam cruéis na sua ação imediata − trabalham todas em função daquela grande meta. O próprio fato de que ocorrem adaptações, e que os mais adaptados realmente sobrevivem na luta pela existência, mostra que o que é chamado de ‘Natureza inconsciente’ constitui na verdade um agregado de forças manipuladas por seres semi-inteligentes (Elementais) guiados pelos Espíritos Planetários Superiores (Dhyan Chohans), cujo agregado coletivo forma o verbum manifestado do LOGOS imanifestado, e constitui ao mesmo tempo a MENTE do Universo e a sua LEI imutável.” [1]

E H.P. Blavatsky acrescenta, na edição original do texto, a seguinte nota de rodapé:

“Tomada em um sentido abstrato, a Natureza não pode ser ‘inconsciente’, porque ela é a emanação da consciência ABSOLUTA e portanto é um aspecto desta (no plano manifestado). Onde está o homem suficientemente audaz para pretender negar que a vegetação e mesmo os minerais têm uma consciência própria e peculiar? Tudo o que ele pode dizer é que esta consciência está além da sua compreensão.”

Esta é mais uma evidência no sentido de que, segundo a teosofia, não há matéria morta no universo, e a consciência universal permeia tudo o que existe. Em seu livro “A Lei do Triunfo”, Napoleon Hill escreveu sobre a inteligência presente em cada célula orgânica, e ligou este fato a certos hábitos de alimentação:

“As células de toda vegetação, bem como as da vida animal, são dotadas de um elevado grau de inteligência. (...) Pelo fato de que muitas formas animais (inclusive o homem) vivem de devorar os animais menores e mais fracos, a ‘inteligência celular’ desses animais que entram no homem e se tornam parte dele traz consigo o medo nascido da experiência de ter sido comida viva.” [2]

De fato, a literatura teosófica ensina que comer carne − isto é, comer cadáveres de animais − é algo que embrutece o ser humano, e este embrutecimento começa pelo nível da inteligência celular. Napoleon Hill aborda a interação entre as emoções e os órgãos digestivos do ser humano:

“Sabe-se que os aborrecimentos, as emoções ou os temores interferem com o processo digestivo e, em casos extremos, detêm inteiramente este processo (.....). É claro, pois, que o espírito cumpre um papel na química da digestão e da distribuição dos alimentos” [3]

Napoleon Hill discute a relação entre o estado de espírito do indivíduo e a inteligência celular do seu corpo físico:

“A preguiça não é mais do que o resultado da ação de uma mente pouco ativa sobre as células do corpo. (.....) As células agem de acordo com o estado mental, exatamente da mesma maneira como os habitantes de uma cidade agem de acordo com a psicologia da massa que a domina. Se um grupo de cidadãos eminentes procura fazer com que a cidade adquira a reputação de ‘progressista’, esta ação influencia a todos os que vivem ali. Uma mente ativa e dinâmica conserva as células do corpo em constante estado de atividade.” [4]

E ainda:

“Os pensamentos dominantes na nossa mente − ou seja, os pensamentos mais profundos e freqüentes que nos vêm − influenciam a ação do nosso corpo. Cada pensamento posto em ação pelo cérebro atinge e influencia todas as células do corpo.” [5]

Não existem, portanto, coisas ou seres inconscientes. Existem apenas seres e objetos cuja consciência nós ainda somos incapazes de perceber. Em algum momento, a psicologia convencional terá que adequar-se à verdade dos fatos e ir além da pretensão darwinista do século 19, segundo a qual a única forma existente de consciência é a consciência verbal do hemisfério cerebral esquerdo do ser humano, aquela consciência que rotula e classifica, e que julga o futuro com base no passado.

Na verdade, toda natureza é consciente, embora nem todos os seres tenham a consciência individualizada, ou percepção auto-consciente. Além disso, é importante saber que a percepção auto-consciente – de acordo com o budismo e a filosofia esotérica – é também uma forma de ilusão, de maya. Para que se alcance a sabedoria, ela deve ser transcendida, ao mesmo tempo que é preservada como instrumento.

O hemisfério cerebral esquerdo é útil, mas as inteligências das outras áreas cerebrais também devem ser usadas. (Um Estudante de Teosofia)

NOTAS:

[1] “The Secret Doctrine”, Helena P. Blavatsky, “Theosophy Company”, Los Angeles, volume I, pp. 277-278. Na edição da Ed. Pensamento, SP. Ver “A Doutrina Secreta”, vol. I, pp. 308-309.

[2] “A Lei do Triunfo”, de Napoleon Hill, José Olympio Editora, RJ, 18ª Edição, 1997, 736 pp., ver p. 132.

[3] “A Lei do Triunfo”, obra citada, p. 58.

[4] “A Lei do Triunfo”, obra citada, p. 609.

[5] “A Lei do Triunfo”, obra citada, p. 614.

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Fonte: "O Teosofista", boletim mensal de www.filosofiaesotérica.com