A Lei da Justiça Ensina Mais do Que Pune
O Carma é Inseparável da Compaixão
Os fatos pouco agradáveis que de tempos em tempos ocorrem na
vida de todos não são obra do acaso. Há toda uma cadeia de ações e
reações por trás deles, assim como também ocorre no caso dos fatos agradáveis.
Nada é por acaso no universo, e tudo aponta para o caminho da sabedoria.
O carma é feito, portanto, muito mais de lições do que
de prêmios ou punições. Não há algum “deus” vingativo ou protetor
interessado em punir ou privilegiar pessoas. Há lições que devem ser
aprendidas para que os seres avancem evolutivamente. E há uma Lei do
Equilíbrio, uma Lei da Justiça, da qual emanam lições, sejam elas amargas ou
doces.
Devemos perceber também que nem sempre o carma desagradável
é colheita do que foi plantado pelo indivíduo que o recebe. O
sofrimento de alguém pode ser, e é frequentemente, um plantio novo e
equivocado que está sendo feito ou foi feito antes por outrem. O sofrimento
também pode ser o surgimento do carma coletivo de um modo que o indivíduo é,
enquanto indivíduo, inocente. Por exemplo, todo aspirante à
sabedoria universal deve inevitavelmente desafiar e enfrentar como se fosse seu
o carma acumulado de ignorância humana. Assim, é possível e é frequente colher
o que não se plantou; e haverá compensação por isso, é claro.
É importante que evitemos a ilusão de pensar no carma como
um castigo. Também é falta de discernimento catalogar as vítimas de injustiças
como culpadas pelo seu próprio sofrimento. Neste caso cairíamos na tese nazista
segundo a qual “a culpa é da vítima” e “vale a lei darwinista dos mais aptos”.
Os desinformados pensam que, “devido à lei do carma”, se
alguém sofre um ato de violência, é porque está “pagando algum erro do
passado”. Esta afirmativa é de uma covardia intelectual de grande
porte. O fato é que aquele que comete a injustiça está plantando mau
carma para si. Um erro não justifica outro, e ainda que alguém tenha cometido
injustiça em vida anterior, isto não justifica uma injustiça contra ela
na vida atual. O carma não funciona como lei do talião, na base do olho por
olho e dente por dente, exceto quando há uma completa ausência de
sabedoria.
Temos um bom exemplo disso no sistema penal brasileiro. Para
certos crimes menores, o condenado presta serviços comunitários e é condenado a
trabalhar para o bem comum − como carma de ter cometido um pequeno crime. E
fica livre da pena de reclusão.
Na mesma linha, se fôssemos punir judicialmente os políticos
e administradores públicos que roubam o dinheiro do povo, o que
deveríamos fazer do ponto de vista da lei do carma? Não seria eficiente
colocá-los nas celas do atual sistema penitenciário. Os maus
administradores públicos deveriam ser condenados, isto sim, a viver pobremente
e com um salário modesto, trabalhando em serviços comunitários. Neste
caso eles permaneceriam livres – sob liberdade condicional – para que pudessem
aprender a sua lição de modo saudável. As fortunas roubadas, é
claro, deveriam ir para projetos de bem-estar social, sendo devolvidas ao povo
que eles prejudicaram enquanto traíam a Nação. Mas o desafio ético da
lei não é promover uma “vingança” contra os criminosos − políticos ou
não. A meta é recuperar, em suas consciências, o sentido de ética
interior que perderam, e cuja perda os reduziu à condição de seres humanos
incompletos.
Do mesmo modo, aquele que mata não deve ser morto. Aquele
que mente, não deve pagar o carma ouvindo mentiras. E aquele que é injusto, não
deve sofrer injustiças. A lei do carma não é uma lei de vingança.
Toda vingança é uma grave distorção da lei do carma. A lei do carma é a lei da
compaixão, que é inseparável da lei da justiça. A compaixão ocorre através da
justiça.
Se tudo o que ocorre de desagradável às pessoas fosse sempre
carmicamente merecido, então nossa humanidade já teria alcançado a perfeição,
porque seu sofrimento tem sido contínuo.
Mas ocorre que há mau carma novo sendo gerado todos os dias;
e este carma de ignorância é plantado através de injustiças. Assim,
metade ou mais do sofrimento humano não é merecido nem é inevitável, e pode ser
eliminado através da solidariedade e da compaixão com discernimento.
Talvez não possamos ajudar a todos os que sofrem. Esta é uma questão
diferente. Mas não devemos pensar que tudo o que ocorre de sofrimento a
alguém é necessariamente algo que a pessoa merece. Longe disso. O que lemos na
Carta 88 de “Cartas dos Mahatmas” é, ao contrário, que nenhum
sofrimento ficará sem compensação; que a natureza tem um antídoto para
cada veneno, e a cada derrota corresponderá uma vitória.
É verdade que “cada homem é absolutamente seu próprio
legislador, dispensador da glória ou da desgraça para si mesmo”. Mas é pela
ação fraterna que se abre o caminho para a libertação. Por isso é
potencialmente uma bênção a oportunidade que todo indivíduo tem de ser
ativamente solidário. É um privilégio confrontar os mecanismos de ignorância
espiritual organizada que provocam sofrimento no mundo atual.
Naturalmente, devemos optar por combater a causa, e não
apenas os efeitos do sofrimento.
A origem da dor humana está nas diversas formas de
ignorância ética e espiritual, e a teosofia ensina a plantar as bases da
sabedoria. Mas a atitude solidária com os que sofrem é indispensável,
porque todo sofrimento ocorre sob a lei do carma, mas nem todo ele
é necessário ou merecido.
A Lei do carma não justifica, por exemplo, as crueldades
contra os judeus nos últimos 2000 anos, ou contra negros e indígenas nos
últimos 500 anos. A lei do carma não justifica a destruição das
florestas. Ela não justifica o sofrimento dos palestinos. Não justifica
roubos, assaltos e violência. A lei do carma não justifica a omissão
diante do sofrimento humano, porque a omissão é uma forma de ação, e é também
uma decisão carmicamente responsável.
A lei do carma apenas estabelece que cada ação errada será
substituída − não pelo erro igual e contrário (lei do talião) − mas pela
ação correta correspondente, segundo a lei da fraternidade, que é a nota-chave
superior da lei da justiça no reino humano.
Fonte:
O Teosofista - Notas e Informações Sobre Teosofia e o
Movimento Esotérico
Ano II, Número 23, Abril de 2009. O Teosofista é o boletim
eletrônico mensal do wbsite www.filosofiaesoterica.com